L’Homme qui Épate les Bourgeois

Por Alexia Godron

Querido Senhor Lobato,

Eu tive o prazer de ler outro dia sua matéria no jornal O Estado de São Paulo criticando o trabalho da Sra. Anita Malfatti. Fiquei particularmente interessada por sua compreensão de arte, bem como como o senhor comunica esse retrato aos seus leitores. Eu sou apenas uma estudante, mas sempre gostei de criticar as opiniões de outros escritores. Espero que, assim como a opinião que tão gentilmente apresentou à Sra. Malfatti, meus comentários o ajudem a orientar seu talento para meios mais produtivos.

Senhor Lobato, sua própria peça flui de um ponto não relacionado a outro, como uma borboleta flutua aleatoriamente de uma flor para outra. Como tal, vou me contentar em examinar os saltos lógicos em sua peça por cronologia.

A primeira chega rápido. No início de seu artigo, o senhor explica que existem dois tipos de artistas: aqueles que representam o mundo ao seu redor, e os que “ veem anormalmente a natureza”. Verdadeiramente não tenho certeza se entendi o que quer dizer com isso. O que significa, para o senhor,  “ver normalmente” ou “anormalmente”, e como sabe que a outra gente também vê isso da mesma maneira? Eu pergunto por que alguns dos artistas que elogia no início de sua peça parecem exemplificar isso? Por exemplo, quando Rembrandt pinta
O apedrejamento de Santo Estêvão, acha que ele estava ali para observar esse evento, e então que sua composição, a gente na obra, etc., tudo isso representa “normalmente” a realidade? Ou, outramente, quanto Praxiteles esculpiu a “Aphrodite de Knidos” — uma deusa grega que ninguém tinha visto na realidade — como se pode saber que essa é a sua forma normal? Pondo de lado a questão da realidade versus imaginação, o senhor não poderia dizer que Praxíteles e Rodin representam o homem exatamente da mesma maneira — tem estilos diferentes, e então qual dos dois tem o estilo realista, quem representa a humanidade de maneira mais “normal”? Seria interessante perguntar isso para Rodin, cuja escultura “Homem com Nariz Quebrado” foi inicialmente detectada por críticos como o senhor (assim como por especialistas em arte) por ser muito realista ao retratar um homem da classe trabalhadora — pode-se dizer … muito normal. Eu me pergunto o que Rodin pensaria.

Por uma questão de rapidez e respeito ao seu tempo, Senhor Lobato, vou enumerar o resto de minhas perguntas aqui embaixo com forma mais curta.

  1. O senhor exprime em seu texto que nada mais velho que esta arte que o senhor chama anormal, e seu argumento é que então essa arte da Senhora Malfatti não tem muito valor porque não é verdadeiramente novidade. Aqui, queria questionar sua premissa de que o valor deriva de sua novidade, e não de sua natureza como arte em si, seja “normal” ou “anormal”.
  2.  Deixando de lado sua dúbia comparação insinuada de “artistas anormais” com pacientes mentais, há outra premissa aqui que você deixou sem defesa. Quando seu argumento é que artistas como a Sra. Malfatti estão tentando mistificar o público recriando arte como a dos pacientes psiquiátricos, mas sem a verdadeira sinceridade e originalidade desses pacientes, o senhor assume que a diferença entre esses dois tipos de artistas está em como eles criam arte — ao passo que não há razão para pensar que a razão de eles estarem em um hospital é a mesma parte de seu cérebro que afetaria sua arte (em comparação com suas experiências ou sua compreensão do mundo por outras razões). Como tal, não há realmente nenhuma base para supor que os artistas fora dos hospitais não estejam pintando genuinamente — e de fato que essas duas populações podem produzir arte excelente.

  3. Tendo crescido com uma mãe que é professora de arte, não sei dizer quantas vezes já ouvi falar das regras clássicas da arte. Estou totalmente de acordo com o Senhor, Sr. Lobato, de que “todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo, nem da latitude.” Você fala de proporção, equilíbrio, forma, cor. Também estou de acordo. No entanto, por sua própria explicação, a Sra. Malfatti se destaca como artista. Tomando por exemplo sua pintura de 1915 intitulada “Canal”, você pode vê-la usando sombreamento para fornecer uma paleta de valores dentro de um esquema de cores, criando profundidade, textura e perspectiva na pintura. Da mesma forma, em “O Homem de Sete Cores” ela usa a forma para criar movimento e direção, ela brinca com a espessura das linhas para criar profundidade e perspectiva, e ela mistura cores e sombras para transmitir o sentimento da peça também como o equilíbrio e as curvas dentro da peça. Você está certo – a arte tem regras. Senhora Malfatti os conhece e os usa a seu favor.

  4. A borboleta em seu pedaço de alguma forma pousou nesta história paralela de Bolynson e, separadamente, do burro parisiense. Não tenho certeza se você está comparando Bolynson a um animal quadrúpede ou à Senhora Malfatti. Você evidentemente não gosta da arte de Bolynson, mas não tenho certeza se criticar os livros de seu amigo seria justo se meu objetivo fosse avaliar os seus. De qualquer jeito, você não acha que as histórias sobre animais de fazenda pertencem melhor aos seus livros infantis?

  5. Finalmente, fiquei surpresa com sua declaração que “é impossível dar o nome de obra de arte a duas coisas diametralmente opostas”. O senhor poderia elucidar para mim, primeiro, por que a premissa de que coisas que são diametralmente opostas não podem estar na mesma categoria (assim como o sol e a chuva são considerados clima), e, além disso, por que exatamente o senhor acha que o normal e anormal como “estilos” de pinturas seriam o qualificador para uma justaposição e não, digamos, o meio da arte “isto é, a pedra e a tela não são meios diametralmente opostas?” ou outro tipo de qualificação.

A verdade é, Senhor Lobato, que ouvi dizer que o senhor é um escritor habilidoso, mesmo que não tenha formação (ou prática) como artista visual. Queria levar o Senhor a sério como crítico de arte, apesar de sua falta de qualificações artísticas. O senhor saberia que se eu só estivesse falando amabilidades, eu seria considerada pelo senhor só como uma ‘moça prendada que escreve’ e isso não é a verdade.

Então, Senhor Lobato, da próxima vez que quiser épater les bourgeois que lê O Estado de São Paulo, eu sugeriria que usasse todo esse seu talento para formar alguns argumentos que não dependessem de premissas vazias e que considerassem a arte pelo seu valor de face, não à luz de uma história altamente selecionada.

Afinal, Sr. Lobato, sou apenas uma estudante de Ciências Política, e o que posso dizer sobre sua própria arte — a arte de escrever? Eu acho que o melhor que podemos fazer é deixar a historia decidir quem pensa “por trás”.