Onde encontrar a identidade afro-brasileira

Nas últimas semanas, a gente leu alguns livros infantis e O pacto da branquitude, de Cida Bento. Mesmo sendo formas diferentes de expressar ideias, os seus temas são similares. Para o meu blog, quero focar no livro infantil Da minha janela, escrito por Otávio Júnior. Analisarei como o autor desenvolve a noção de uma favela e como a mensagem do livro refere-se à nossa discussão do artigo de Djamila Ribeiro, publicado na Folha de São Paulo em 6 de outubro de 2022, e do pacto de branquitude.

Para começar, O pacto da branquitude ilumina o papel prejudicial dos brancos e das elites em definir a identidade afro-brasileira. Vem, em parte, do narcisismo. Mas também vem de um sistema institucional que discriminava e continúa discriminando contra os negros.

Da minha janela combate estereótipos sobre as favelas. Quando eu pensava nas favelas antes, a miséria e a violência eram as primeiras coisas que vinham em mente. Mas não é assim. Tem famílias e comunidades que têm as suas vidas lá. As crianças jogam esportes e aprendem juntos. Das janelas nas favelas, eles podem ver um mundo inteiro dentro da sua comunidade. Não é dizer que as favelas não têm a miséria ou a violência, mas essas coisas não definem a comunidade. Os moradores podem superar esses desafios com a esperança. 

De fato, a esperança é uma ferramenta que Júnior usa para mostrar que a vida nas favelas não é totalmente desolada. Este otimismo se vê na metáfora recorrente do arco-íris. As crianças na favela podem encontrar o seu próprio tesouro, mas não é necessariamente um tesouro material. Pode ser o proposto na vida. Júnior ilustra a unidade da comunidade com pessoas de cores e raças diferentes se abraçando nas páginas. Ele promove um ambiente de inclusividade social através do qual pessoas que não são das favelas podem aprender. Enfim, o conto oferece um jeito de quebrar com o pacto da branquitude.

A esperança e a inclusão no livro é muito importante, mas é diferente da caracterização da favela feita pela mídia, que tem uma certa insinceridade. André Fernandes, que trabalha na Agência de Notícias das Favelas, diz o seguinte:

“Tenho observado há muito tempo que a elite e a grande mídia tentam chamar as favelas de comunidades e isso me traz uma grande indignação, pois do meu ponto de vista, isso nada mais é que uma tentativa de descaracterizar a favela e amenizar a situação de pobreza extrema que vive nossa cidade. Lembro sempre, para os que estão chamando as favelas de comunidades, que os condomínios de luxo, onde essas pessoas que estão tentando descaracterizar essa nomenclatura moram, são comunidades”

Isso me lembra do artigo “Esquerda burguesa ignora complexidades do povo na eleição,” de Djamila Ribeiro, que a gente leu. Essas pessoas, que provavelmente têm boas intenções, não entendem a complexidade das pessoas e das comunidades — sejam as favelas ou os afro-brasileiros. Não devem ser reduzidos a um estereótipo ou a uma palavra que borra o propósito da pessoa. Mudar o nome sem o consentimento do grupo afetado desumaniza-os. Essa ideia das pessoas da elite definindo as regras e os termos não é justo. É o que Cida Bento no Pacto da branquitude narra, começando com a escravidão, que os brancos eliminaram a humanidade dos afro-brasileiros, trantando-os como se fossem objetos e não pessoas. Enfim, Da minha janela tenta mudar essa narrativa do Pacto e da elite para uma narrativa que reconhece as vozes verdadeiras das próprias favelas e comunidades.

 

Bento, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo, Companhia das Letras, 1 Jan. 2019. 

Fernandes, André. “Favelas Ou Comunidades? – ANF – Agência De Notícias Das Favelas |.” ANF, 29 May 2011, https://www.anf.org.br/favelas-ou-comunidades/.

Ribeiro, Djamila. “Esquerda Burguesa Ignora as Complexidades Das Pessoas Negras NAS Eleições.” Folha De S.Paulo, Folha De S.Paulo, 6 Oct. 2022, https://www1.folha.uol.com.br/colunas/djamila-ribeiro/2022/10/esquerda-burguesa-ignora-as-complexidades-das-pessoas-negras-nas-eleicoes.shtml.

A Importância da Representação nos Livros Infantis

Esta semana nós lemos três livros infantis: A Boneca Negra de Lara, Amora, e Da Minha Janela. Esta foi a primeira vez que li um livro infantil como uma “obra de literatura”, e ao começar eu tinha várias dúvidas:

  1. O que é o objetivo de um livro infantil? Para entreter? Para ensinar? 
  2. O que define um “bom” livro infantil? E como é diferente ou igual a um “bom” livro adulto?
  3. O que é a importância da representação nos livros infantis, e como ver a si mesmo representado em um livro pode afetar uma criança pequena?

Os três livros que lemos tinham em comum sua representação da cultura afro-brasileira, e seu retrato positivo da diferença. Parecia-me que o objetivo dos livros era principalmente ensinar as crianças a se amarem e a celebrarem suas diferenças. Achei que os dois livros que melhor cumpriram estes objetivos foram A Boneca Negra de Lara e Da Minha Janela. 

Gostei especialmente da “Boneca Negra de Lara,” porque acho que conseguiu mostrar muito bem a importância da representação na sala de aula. No livro, crianças pequenas têm a oportunidade de colorir em bonecas que se parecem com elas mesmas. Algumas têm cabelos encaracolados e pele escura; outras têm cabelos loiros e pele clara. É uma cena muito simples e pode parecer um pouco estranha e sem importância para um leitor adulto. Mas para uma criança de quatro ou cinco anos, o simples ato de se ver e aceitar sua individualidade é tão importante para o desenvolvimento. As crianças estão constantemente à procura de representações de si mesmas no mundo inteiro. Elas desenvolvem seu primeiro sentido de si mesmas através de suas interações com os outros, e através de se ver representadas no mundo exterior. Ao retratar a si mesmos e suas diferentes aparências, as crianças da classe podem aprender a se ver e a se sentir confortáveis em seus próprios corpos. 

Embora eu seja branca, eu entendo muito bem o que é ser uma criança que não se vê representada no mundo exterior. Cresci com mães lésbicas e soube desde pequena que minha família era de alguma forma “diferente”. Como uma menina, eu estava constantemente à procura de famílias como a minha. No início dos anos 2000, ainda havia muito poucas representações de famílias homossexuais nos livros infantis. Os poucos livros que eu tinha com famílias como a minha, eu apreciava como se fossem de ouro. Sempre me lembro destes livros: a maneira como as páginas se sentiam, as imagens, a maneira como me faziam sentir. Em meu livro favorito – Heather Has Two Mommies, por Leslea Newman – finalmente vi uma menina com uma família como a minha, com duas mães. No livro, uma menina começa a escola e seus companheiros de classe lhe perguntam sobre seu papai. Ela começa a se perguntar: era a única sem papai? A professora faz exatamente o que a professora da “Boneca Negra de Lara” faz: ela pede às crianças que desenhem retratos de suas diferentes famílias. No final do livro, a menina vê que todas as famílias de seus companheiros de classe são diferentes, e todas elas são lindas.

As crianças desenham retratos de sua famílias em 'Heather Has Two Mommies."

Espero que as crianças afro-brasileiras recebam a mesma alegria por ler estes livros infantis que eu tive lendo Heather Has Two Mommies. Cada criança merece se ver no mundo, e saber que elas são valiosas e bonitas assim como são. 

 

Explorando o legado da escravidão no Brasil através da literatura

Por Michaela Bauman

 

Passamos nossa quarta semana de aula analisando o conto “Pai contra Mãe” de Machado de Assis. O conto se centra no personagem principal, Cândido, que trabalha para capturar pessoas escravizadas fugidas e está passando por dificuldades financeiras. Para sustentar seu bebê e manter a família unida, Cândido captura uma mulher escravizada, Arminda, que havia fugido. Arminda implora a Cândido que não a entregue ao seu algoz porque ela está grávida. Se Cândido tivesse empatia, ele a deixaria ser livre com seu bebê, assim como Cândido quer para sua família, mas ao invés disso, ele a devolve ao seu algoz e, no processo, ela perde seu bebê. Machado de Assis usa a ironia para traçar um paralelismo entre Cândido e Arminda, que lutam por suas famílias. Não é fácil para o leitor colocar toda a culpa em uma pessoa, já que todos os personagens, como Clara, a esposa de Cândido, e tia Mônica, são retratados como medíocres e humanos, vítimas do sistema de escravidão.

Nada é justo, mas mesmo assim Cândido consegue manter a família unida enquanto a mulher escravizada sofre.
“Pai contra Mãe” foi publicado em 1906, 18 anos após a abolição oficial da escravidão no Brasil. Serve para nos lembrar do passado e enfatizar o legado que essa prática deixou na sociedade brasileira. Há discriminação e desigualdade racial implícita e explícita em muitos aspectos da sociedade, mesmo que alguns brasileiros afirmem que o Brasil é uma democracia racial onde o racismo não existe. Segundo o Brazil Institute do Wilson Center, “Não é por acaso que apenas 53% da população brasileira se identifica como afro-brasileira ou mestiça, mas representa dois terços dos encarcerados e 76% do segmento mais pobre da população.” Quando eu estava no Rio de Janeiro, muitas vezes ouvia o mito de que a praia e o carnaval são exemplos perfeitos desse paraíso racial, onde todos podem se reunir e se dar bem. Na realidade, as disparidades raciais e econômicas são ainda mais evidentes naqueles lugares. Por exemplo, no carnaval, as pessoas mais pobres, muitas vezes brasileiros negros, embora sejam protagonistas e dançam nas escolas de samba, veem pouco do lucro desses eventos.

Referência

Slavery in Brazil.  Wilson Center, The Brazilian Report, 2020, https://www.wilsoncenter.org/blog-post/slavery-brazil.

Novas aventuras

 

Por S.W Yeo:

Nas últimas semanas, a gente conheceu essa aula de português pela primeira vez. Para mim, quando eu entrei na primeira aula, era evidente a diversidade da sala. Em nossa aula, tem pessoas brasileiras, portuguesas, e pessoas como eu que só recentemente começou a aprender português. Compartilhamos sobre as razões pelas quais queremos aprender português. Neste sentido, foi claro que a aula era um ponto de encontro de culturas e identidades bem diferentes.

O que é a arte brasileira? Discutimos sobre a definição da arte brasileira, e quais são as forças que dominam esta definição. Uma atividade que a gente fez foi ler um fragmento da Rosana Paulino, e adivinhar qual dessas obras é de Rosana Paulino. Percebi que os pressupostos, as perspectivas e as preocupações de um artista são muitas vezes claramente refletidos na sua obra. 

Uma das obras que nós estudamos que chamou a minha atenção é “Os Noivos” de Alberto da Veiga Guignard. Marcos Auclicino (2008) observa que: 

“os retratados aparecem em posturas orgulhosas e dignas que legitimam os valores social, moral e étnico desta parcela da população brasileira”. (Aulicino, 2008, pp.459-460. Acesso em 19 de setembro de 2022. Disponível em http://anpap.org.br/anais/2008/artigos/043.pdf

Essa pintura talvez seja uma representação de uma nova brasilidade que inclui as pessoas negras, e os coloca em uma posição mais nobre na sociedade. 

Os Noivos, 1937 Guignard Óleo sobre madeira, c.s.e. 58,00 cm x 48,00 cm Museus Castro Maya – IPHAN/MinC (Rio de Janeiro) Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1826/os-noivos

E, o que é a cultura? Além da discussão sobre arte brasileira, em nossa aula, nós fizemos um debate muito interessante sobre a definição de cultura. Para guiar essa discussão, nós analisamos um vídeo de Marilena Chauí no qual ela fala sobre o seu livro, “Conformismo e resistência”, trazendo uma explicação sobre a cultura erudita, a cultura popular e a cultura de massa.

Nós nos perguntamos sobre a diferença entre cultura popular e cultura de massa e pensamos esses termos também em inglês. Em inglês, para mim, a palavra “popular culture” inclui as duas, a cultura popular e a cultura de massa. Mas, realmente, a cultura de massa, como disse Marilena Chauí, é uma mistura da cultura erudita com a cultura popular, mas com  a finalidade de consumo. É quando alguém se apropia de partes da cultura erudita e da popular, e faz uma música, poema ou outra forma da arte mais acessível, que forma cultura de massa. O objetivo da cultura de massas é nivelar o campo de jogo. Num mundo onde existem tantas divisões dentro da sociedade, passar tais fronteiras de classe é um objetivo bem importante. Este objetivo precisa de uma solução poderosa na forma de cultura de massa, para colmatar o fosso entre o comum e o erudito. O ponto de encontro destes dois grupos é o início de uma melhor compreensão mútua. 

Também falamos muito sobre os graffiti nas ruas de São Paulo e Salvador, e foi interessante ver as preocupações que o graffiti trouxe.Em comparação com o resto da arte, o graffiti é um caso interessante porque traz a arte para fora dos espaços eruditos para o espaço público. Isto significa que questões mais controversas, como o racismo e o aborto, podem ser levantadas, uma vez que sofre pouca ou nenhuma censura. Para as tarefas de casa, assistimos a um curta chamado “Graffiti Dança” que foi dirigida por Rodrigo Eba. Muito literalmente, o graffiti neste filme ganha vida à noite. De dia, porém, é censurado. Isto mostra o contraste entre a resposta viva que o graffiti traz como forma de arte, e a arte morta que muitas vezes existe nas galerias. Há muito espaço para melhor dar visibilidade ao graffiti na nossa sociedade. 

O Google Earth foi tão útil a respeito do nosso estudo do graffiti. Para mim, o que foi tão legal foi que conseguimos ver graffiti como qualquer pessoa que passa na rua. Não há fotografia, não foi encenado. Passamos simplesmente, como qualquer outra pessoa. A não ser que tenhamos realmente ido ao Brasil, esta foi a segunda experiência mais autêntica que poderíamos ter tido. Acho muito legal que o Google Earth se tenha tornado basicamente como uma galeria de arte para nós. 

Para mim, um outro exemplo da cultura de massa é a bossa nova. Eu acho que a bossa nova é uma parte da cultura brasileira da qual os brasileiros mais se orgulham. A música no estilo da bossa nova tomou ideias e palavras complexas para uma forma muito mais simples e acessível. Sendo uma estrangeira, não estou completamente segura do pleno significado cultural da bossa nova para um brasileiro. No entanto, como uma estudante da literatura inglesa, tenho frequentemente sentido que a poesia é algo a que só as pessoas eruditas são capazes de aceder. A capacidade da bossa nova de fazer música a partir da poesia ê incrível. Ela permite que mais pessoas tenham acesso à escrita poética sobre a natureza, o amor e a saudade, o que faz a ponte entre o erudito e o popular. A profundidade e complexidade da letra da bossa nova é algo que ainda não vi em nenhum outro gênero musical.

Meu exemplo preferido é a música “Carta ao Tom 74” de Vinicius de Moraes, que combinou os elementos de um poema com a melodia que é mais acessível para as pessoas que não conhecem poemas numa forma erudita. 

Entender e discutir esses temas tão difíceis numa língua não nativa para muitos de nós certamente é uma coisa bem difícil. Estou certa de que só continuaremos a aprender e melhorar nosso português, e em relação a um conhecimento do mundo ibérico através da arte brasileira. Mas penso que falo pelo resto dos meus amigos quando digo que estou muito ansiosa pelo resto do semestre nesta aula!

 

Referências Bibliográficas

 

CHAUI, M. Conformismo e Resistência. Tradução: Maite Conde. 1. ed. Basingstoke, England: Palgrave Macmillan, 2011.

DE MORAES, V. Carta ao Tom 74, [s.d.]. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nOB25eYi_6g>

EBA, R. Graffiti Dança, 2013.

GUIGNARD. Os Noivos Museus Castro Maya – IPHAN/MinC (Rio de Janeiro), 1937.

RODRIGUES, M.; DEPTO, A.; ARTES, V.-C.-U. O “Nacionalismo Lírico” de Guignard. pp.459-460. Disponível em: <http://anpap.org.br/anais/2008/artigos/043.pdf>. Acesso em: 20 set. 2022.