Explorando o legado da escravidão no Brasil através da literatura

Por Michaela Bauman

 

Passamos nossa quarta semana de aula analisando o conto “Pai contra Mãe” de Machado de Assis. O conto se centra no personagem principal, Cândido, que trabalha para capturar pessoas escravizadas fugidas e está passando por dificuldades financeiras. Para sustentar seu bebê e manter a família unida, Cândido captura uma mulher escravizada, Arminda, que havia fugido. Arminda implora a Cândido que não a entregue ao seu algoz porque ela está grávida. Se Cândido tivesse empatia, ele a deixaria ser livre com seu bebê, assim como Cândido quer para sua família, mas ao invés disso, ele a devolve ao seu algoz e, no processo, ela perde seu bebê. Machado de Assis usa a ironia para traçar um paralelismo entre Cândido e Arminda, que lutam por suas famílias. Não é fácil para o leitor colocar toda a culpa em uma pessoa, já que todos os personagens, como Clara, a esposa de Cândido, e tia Mônica, são retratados como medíocres e humanos, vítimas do sistema de escravidão.

Nada é justo, mas mesmo assim Cândido consegue manter a família unida enquanto a mulher escravizada sofre.
“Pai contra Mãe” foi publicado em 1906, 18 anos após a abolição oficial da escravidão no Brasil. Serve para nos lembrar do passado e enfatizar o legado que essa prática deixou na sociedade brasileira. Há discriminação e desigualdade racial implícita e explícita em muitos aspectos da sociedade, mesmo que alguns brasileiros afirmem que o Brasil é uma democracia racial onde o racismo não existe. Segundo o Brazil Institute do Wilson Center, “Não é por acaso que apenas 53% da população brasileira se identifica como afro-brasileira ou mestiça, mas representa dois terços dos encarcerados e 76% do segmento mais pobre da população.” Quando eu estava no Rio de Janeiro, muitas vezes ouvia o mito de que a praia e o carnaval são exemplos perfeitos desse paraíso racial, onde todos podem se reunir e se dar bem. Na realidade, as disparidades raciais e econômicas são ainda mais evidentes naqueles lugares. Por exemplo, no carnaval, as pessoas mais pobres, muitas vezes brasileiros negros, embora sejam protagonistas e dançam nas escolas de samba, veem pouco do lucro desses eventos.

Referência

Slavery in Brazil.  Wilson Center, The Brazilian Report, 2020, https://www.wilsoncenter.org/blog-post/slavery-brazil.

Novas aventuras

 

Por S.W Yeo:

Nas últimas semanas, a gente conheceu essa aula de português pela primeira vez. Para mim, quando eu entrei na primeira aula, era evidente a diversidade da sala. Em nossa aula, tem pessoas brasileiras, portuguesas, e pessoas como eu que só recentemente começou a aprender português. Compartilhamos sobre as razões pelas quais queremos aprender português. Neste sentido, foi claro que a aula era um ponto de encontro de culturas e identidades bem diferentes.

O que é a arte brasileira? Discutimos sobre a definição da arte brasileira, e quais são as forças que dominam esta definição. Uma atividade que a gente fez foi ler um fragmento da Rosana Paulino, e adivinhar qual dessas obras é de Rosana Paulino. Percebi que os pressupostos, as perspectivas e as preocupações de um artista são muitas vezes claramente refletidos na sua obra. 

Uma das obras que nós estudamos que chamou a minha atenção é “Os Noivos” de Alberto da Veiga Guignard. Marcos Auclicino (2008) observa que: 

“os retratados aparecem em posturas orgulhosas e dignas que legitimam os valores social, moral e étnico desta parcela da população brasileira”. (Aulicino, 2008, pp.459-460. Acesso em 19 de setembro de 2022. Disponível em http://anpap.org.br/anais/2008/artigos/043.pdf

Essa pintura talvez seja uma representação de uma nova brasilidade que inclui as pessoas negras, e os coloca em uma posição mais nobre na sociedade. 

Os Noivos, 1937 Guignard Óleo sobre madeira, c.s.e. 58,00 cm x 48,00 cm Museus Castro Maya – IPHAN/MinC (Rio de Janeiro) Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1826/os-noivos

E, o que é a cultura? Além da discussão sobre arte brasileira, em nossa aula, nós fizemos um debate muito interessante sobre a definição de cultura. Para guiar essa discussão, nós analisamos um vídeo de Marilena Chauí no qual ela fala sobre o seu livro, “Conformismo e resistência”, trazendo uma explicação sobre a cultura erudita, a cultura popular e a cultura de massa.

Nós nos perguntamos sobre a diferença entre cultura popular e cultura de massa e pensamos esses termos também em inglês. Em inglês, para mim, a palavra “popular culture” inclui as duas, a cultura popular e a cultura de massa. Mas, realmente, a cultura de massa, como disse Marilena Chauí, é uma mistura da cultura erudita com a cultura popular, mas com  a finalidade de consumo. É quando alguém se apropia de partes da cultura erudita e da popular, e faz uma música, poema ou outra forma da arte mais acessível, que forma cultura de massa. O objetivo da cultura de massas é nivelar o campo de jogo. Num mundo onde existem tantas divisões dentro da sociedade, passar tais fronteiras de classe é um objetivo bem importante. Este objetivo precisa de uma solução poderosa na forma de cultura de massa, para colmatar o fosso entre o comum e o erudito. O ponto de encontro destes dois grupos é o início de uma melhor compreensão mútua. 

Também falamos muito sobre os graffiti nas ruas de São Paulo e Salvador, e foi interessante ver as preocupações que o graffiti trouxe.Em comparação com o resto da arte, o graffiti é um caso interessante porque traz a arte para fora dos espaços eruditos para o espaço público. Isto significa que questões mais controversas, como o racismo e o aborto, podem ser levantadas, uma vez que sofre pouca ou nenhuma censura. Para as tarefas de casa, assistimos a um curta chamado “Graffiti Dança” que foi dirigida por Rodrigo Eba. Muito literalmente, o graffiti neste filme ganha vida à noite. De dia, porém, é censurado. Isto mostra o contraste entre a resposta viva que o graffiti traz como forma de arte, e a arte morta que muitas vezes existe nas galerias. Há muito espaço para melhor dar visibilidade ao graffiti na nossa sociedade. 

O Google Earth foi tão útil a respeito do nosso estudo do graffiti. Para mim, o que foi tão legal foi que conseguimos ver graffiti como qualquer pessoa que passa na rua. Não há fotografia, não foi encenado. Passamos simplesmente, como qualquer outra pessoa. A não ser que tenhamos realmente ido ao Brasil, esta foi a segunda experiência mais autêntica que poderíamos ter tido. Acho muito legal que o Google Earth se tenha tornado basicamente como uma galeria de arte para nós. 

Para mim, um outro exemplo da cultura de massa é a bossa nova. Eu acho que a bossa nova é uma parte da cultura brasileira da qual os brasileiros mais se orgulham. A música no estilo da bossa nova tomou ideias e palavras complexas para uma forma muito mais simples e acessível. Sendo uma estrangeira, não estou completamente segura do pleno significado cultural da bossa nova para um brasileiro. No entanto, como uma estudante da literatura inglesa, tenho frequentemente sentido que a poesia é algo a que só as pessoas eruditas são capazes de aceder. A capacidade da bossa nova de fazer música a partir da poesia ê incrível. Ela permite que mais pessoas tenham acesso à escrita poética sobre a natureza, o amor e a saudade, o que faz a ponte entre o erudito e o popular. A profundidade e complexidade da letra da bossa nova é algo que ainda não vi em nenhum outro gênero musical.

Meu exemplo preferido é a música “Carta ao Tom 74” de Vinicius de Moraes, que combinou os elementos de um poema com a melodia que é mais acessível para as pessoas que não conhecem poemas numa forma erudita. 

Entender e discutir esses temas tão difíceis numa língua não nativa para muitos de nós certamente é uma coisa bem difícil. Estou certa de que só continuaremos a aprender e melhorar nosso português, e em relação a um conhecimento do mundo ibérico através da arte brasileira. Mas penso que falo pelo resto dos meus amigos quando digo que estou muito ansiosa pelo resto do semestre nesta aula!

 

Referências Bibliográficas

 

CHAUI, M. Conformismo e Resistência. Tradução: Maite Conde. 1. ed. Basingstoke, England: Palgrave Macmillan, 2011.

DE MORAES, V. Carta ao Tom 74, [s.d.]. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nOB25eYi_6g>

EBA, R. Graffiti Dança, 2013.

GUIGNARD. Os Noivos Museus Castro Maya – IPHAN/MinC (Rio de Janeiro), 1937.

RODRIGUES, M.; DEPTO, A.; ARTES, V.-C.-U. O “Nacionalismo Lírico” de Guignard. pp.459-460. Disponível em: <http://anpap.org.br/anais/2008/artigos/043.pdf>. Acesso em: 20 set. 2022.